Informativo 640, STF – Segunda Turma
“Habeas corpus” e direito de detento a visitas - 1
É cabível habeas corpus para apreciar toda e
qualquer medida que possa, em tese, acarretar constrangimento à liberdade de
locomoção ou, ainda, agravar as
restrições a esse direito. Esse o entendimento da
2ª Turma ao deferir habeas corpus para assegurar a detento em
estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus filhos e
enteados. Na espécie, o juízo das
execuções criminais decidira que o condenado não teria jus à visitação, visto
que a prisão seria local impróprio aos infantes, o que poderia trazer-lhes
prejuízos na formação psíquica. A defesa, então, impetrara habeas
corpus no STJ, que o indeferira liminarmente, ao fundamento de que a
pretensão não se compatibilizava com a modalidade eleita, uma vez que não
ofendido o direito de locomoção do ora paciente. De início, rememorou-se que
a jurisprudência hodierna da Corte estabelece sérias ressalvas ao cabimento
do writ, no sentido de que supõe violação, de forma mais direta, ao
menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos.
Afirmou-se que essa orientação, entretanto, não inviabilizaria, por completo, o
processo de ampliação progressiva que essa garantia pudesse vir a desempenhar
no sistema jurídico brasileiro, sobretudo para conferir força normativa mais
robusta à Constituição. A respeito, ponderou-se que o Supremo tem
alargado o campo de abrangência dessa ação constitucional, como no caso de
impetrações contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento,
indiciamento de determinada pessoa, recebimento de denúncia, sentença de
pronúncia no âmbito do processo do Júri e decisão condenatória, dentre outras.
Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da humanidade como norte e
asseguraria aos presidiários o respeito à integridade física e moral (CF,
art. 5º: “XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral” e Pacto de São José da Costa Rica: “Art. 5º Direito à
Integridade Social 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua
integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas,
nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da
liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser
humano”). Preconizou-se, por conseguinte, que não se poderia
tratar a pena com objetivo de retaliação, mas de ressocialização. HC
107701/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.9.2011. (HC-107701)
“Habeas corpus” e direito de detento a visitas - 2
Aludiu-se que a visitação seria desdobramento
do direito de ir e vir, na medida em que seu empece agravaria a situação do
apenado. Isso
porque só haveria direito de visitas porque a liberdade do
paciente estava tolhida. Ponderou-se que, segundo a própria teleologia da segregação criminal, eventuais erros
estatais ao promovê-la poderiam e deveriam ser sanados pela via do habeas
corpus, sob pena de não se alcançar a harmônica reintegração
à comunidade daqueles que sofrem a ação do magistério punitivo do Estado. Nesse contexto, salientaram-se como escopos para o tratamento dos condenados, enquanto
perdurar a sanção: a) inspirar-lhes a vontade de viver conforme a lei; b)
incutir-lhes o respeito por si mesmos; e c) desenvolver-lhes o senso de
responsabilidade (Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da
Organização das Nações Unidas, nº 65). Igualmente, destacou-se que seria
direito do custodiado receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e
de amigos (LEP: “Art. 41 - Constituem direitos do preso: ... X - visita do
cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados” e
Resolução nº 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária: “Art.
33. O preso estará autorizado a comunicar-se periodicamente, sob vigilância,
com sua família, parentes, amigos ou instituições idôneas, por correspondência
ou por meio de visitas”). Logo, consignou-se que não caberia negativa
desse direito nem mesmo aos enteados, porquanto, a despeito de não terem
comprovado seu vínculo com o paciente, tampouco a estabilidade da relação com a
genitora, inserir-se-iam naquela última categoria. Sublinhou-se que poderia
haver denegação motivada de visita pelo diretor do estabelecimento, o que não
ocorrera no caso (LEP, art. 41, parágrafo único: “Os direitos previstos
nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato
motivado do diretor do estabelecimento”). Ademais, explicitou-se que o notório desajuste do sistema carcerário
nacional não poderia justificar o óbice à visita de menores. Esclareceu-se, pois, que caberia ao Poder Público o dever de propiciar
meios para que o apenado pudesse receber, inclusive, seus filhos e enteados, em
ambiente minimamente aceitável e preparado, de modo a não colocar em risco a
integridade física e psíquica dos visitantes. Assim, concluiu-se que o habeas
corpus seria o meio apto a tutelar todo o plexo de relações ligadas à
execução penal, até porque outro instrumento não seria identicamente expedito.
HC 107701/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 13.9.2011. (HC-107701)