INFORMATIVO N° 669 DO STF - 4 a 8 de junho de 2012
PLENÁRIO
O Plenário iniciou julgamento conjunto de recursos extraordinários — interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS — em que se discute, à luz do art. 203, V, da CF (“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: ... V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”), a concessão de benefício assistencial a idoso e a pessoa com deficiência, considerado o cálculo de renda familiar per capita estipulado pelo art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 [“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família ... § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”] e pelo art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 [“Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas”].
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
O Min. Marco Aurélio, relator do RE 567985/MT, tendo em conta as particularidades reveladas na decisão recorrida, negou provimento ao recurso. Destacou que o benefício previsto no art. 203, V, da CF, seria especialização dos princípios maiores da solidariedade social e da erradicação da pobreza, versados no art. 3º, I e III, da CF. Ademais, concretizaria a assistência aos desamparados, estampada no art. 6º, caput, do mesmo diploma. Portanto, ostentaria a natureza de direito fundamental. Lembrou que o constituinte assegurara a percepção de um salário mínimo por mês aos deficientes e aos idosos, bem como exigira-lhes a comprovação de não possuírem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família, nos termos legais. Observou que o STF, na ADI 1232/DF (DJU de 9.9.98), assentara a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. Considerou desejável que certos conteúdos constitucionais fossem interpretados à luz da realidade concreta da sociedade e afirmou que a lei teria papel crucial na definição de limites para a manutença da normatividade constitucional. Rememorou caber à Corte, entretanto, sopesar as concretizações efetuadas pelo legislador. Na tensão entre a normatividade constitucional, a infraconstitucional e a facticidade inerente ao fenômeno jurídico, incumbiria ao Supremo resguardar a integridade da Constituição.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Aduziu que a cláusula constitucional “não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” objetivaria conferir proteção social àqueles incapazes de garantir a respectiva subsistência, à luz da dignidade humana e de outros princípios já referidos. Invocou doutrina no sentido de que aquele postulado seria decomposto em três elementos: a) valor intrínseco; b) autonomia; e c) valor comunitário. Em relação ao primeiro deles, consignou que a dignidade requereria o reconhecimento de que cada indivíduo seria um fim em si mesmo. Impedir-se-ia, de um lado, a funcionalização do indivíduo e, de outro, afirmar-se-ia o valor de cada ser humano independentemente de suas escolhas, situação pessoal ou origem. Reputou inequívoco que deixar desamparado um ser humano desprovido inclusive dos meios físicos para garantir a própria manutenção, tendo em vista a idade avançada ou a deficiência, representaria expressa desconsideração do mencionado valor. Salientou que a insuficiência de meios, de que trataria a Constituição, não seria o único critério, porquanto a concessão do benefício pressuporia a incapacidade de o sustento ser provido por meio próprio ou pela família, a reforçar a necessidade de proteção social.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
No tocante à autonomia, frisou que a dignidade protegeria o conjunto de decisões e atitudes a respeito da vida de um indivíduo. Reconheceu que a Corte, no julgamento da ADPF 132/RJ (DJe de 14.10.2011), protegera essa concepção do princípio. O relator assentou, ainda, que a previsão do art. 203, V, da CF, na medida em que forneceria condições materiais mínimas para a busca da construção de um ideal de vida boa, também operaria em suporte desse viés principiológico. No que respeita ao valor comunitário, sublinhou que o instituto atuaria como limitador do exercício de direitos individuais. Estaria incluída nesse ponto a ideia maior de solidariedade social, alçada à condição de princípio pela Constituição, em seu art. 3º, I. Assinalou a relação entre a dignidade e: a) a proteção jurídica do indivíduo simplesmente por ostentar a condição humana; e b) o reconhecimento de esfera de proteção material do ser humano, como condição essencial à construção da individualidade e à autodeterminação no tocante à participação política. No ponto, concluiu existir certo grupo de prestações essenciais que se deveria fornecer ao ser humano para simplesmente ter capacidade de sobreviver e que o acesso a esses bens — mínimo existencial — constituiria direito subjetivo de natureza pública.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)
RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Registrou o dever estatal de entregar um conjunto de prestações básicas
necessárias à sobrevivência individual. Asseverou que o constituinte
instituíra-o no art. 6º da CF, no qual compelir-se-ia aos Poderes
Públicos a realização de políticas a remediar, ainda que minimamente, a
situação de miséria dos desamparados. Advertiu que a concretização
legislativa dos referidos princípios, no caso concreto, não teria sido
suficiente, pois a renda mensal per capita familiar da recorrida seria
pouco superior a ¼ do salário mínimo vigente à época, e inferior ao
montante equivalente hoje em dia. Apontou que, não obstante, o valor
atual estaria muito além da linha de pobreza estipulada pelo Banco
Mundial. Portanto, à luz do salário mínimo em vigor, o critério legal
poderia ser reputado razoável, mas não diante do salário vigente quando
iniciado o processo. Analisou que, ao declarar a constitucionalidade do
dispositivo da Lei 8.742/93, a Corte o fizera considerado o parâmetro do
salário mínimo à época do julgamento. Dessa forma, com o avanço da
inflação e os reajustes subsequentes, seria possível que se desenhasse
novo quadro, discrepante dos objetivos constitucionais, como nos autos:
família composta por casal de idosos e criança deficiente. Acresceu que,
de todo modo, a legislação proibiria a percepção simultânea de mais de
um benefício de assistência social (Lei 8.742/93, art. 20, § 4º).
Deduziu que seria patente que o art. 20, § 3º, do mesmo diploma, embora
não fosse, por si só, inconstitucional, teria gerado situação concreta
de inconstitucionalidade. Articulou que a incidência da regra traduziria
falha no dever, criado pela Constituição, de plena e efetiva proteção
dos direitos fundamentais, que possuiriam duas facetas: a) negativa,
consistente na proteção do indivíduo contra arbitrariedades provenientes
dos Poderes Públicos; e b) criação de deveres de agir (deveres
permanentes de efetividade), sob pena de censura judicial.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Comentou estar-se diante de realidade em que a concretização do
princípio da dignidade humana e do dever específico de proteção dos
hipossuficientes encontrar-se-ia aquém do texto constitucional. Deduziu
emergir como parâmetro de aferição de constitucionalidade da
intermediação legislativa de direitos fundamentais o princípio da
proibição de concretização deficitária, cujo fundamento radicar-se-ia no
dever, imputável ao Estado, de promover a edição de leis e as ações
administrativas efetivas para proteger esses direitos. Enfatizou existir
solução hermenêutica para a questão. Nesse sentido, frisou que se teria
a constitucionalidade em abstrato, consoante decidido pelo STF, mas a
inconstitucionalidade em concreto, consideradas as circunstâncias
temporais e os parâmetros fáticos revelados. Mencionou, entretanto, que
permitir a reabertura de discussão acerca de dispositivos
constitucionais e legais, já debatidos pelo Poder Legislativo, a cada
novo processo judicial, seria arriscado sob dois enfoques. Primeiro,
viabilizaria que o juízo desatendesse soluções adotadas consoante
processo político majoritário e fizesse prevalecer as próprias
convicções em substituição às escolhidas pela sociedade, o que retiraria
a legitimidade da função jurisdicional. Segundo, traria insegurança ao
sistema. Portanto, diferentemente da ponderação de princípios, a
envolver o conflito entre dois valores materiais, o cotejo de regras
exigiria o sopesamento não só do próprio valor veiculado pelo
dispositivo, como também da segurança jurídica e da isonomia.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Entendeu possível assentar a prevalência da leitura constitucional
impugnada sobre esses elementos sistêmicos. Ocorre que a decisão
veiculada na regra infralegal não se sobreporia à estampada na
Constituição. No confronto de visões, prevaleceria a que melhor
concretizasse o princípio constitucional da dignidade humana, de
aplicação prioritária no ordenamento. Elucidou que, quanto às
considerações sobre segurança jurídica e isonômica, também elas deveriam
ceder àquele postulado maior. A respeito do argumento relativo à
reserva do possível, ressurtiu que o benefício de assistência social
teria natureza restrita. Não bastaria a miserabilidade, mas impor-se-ia a
demonstração da incapacidade de buscar o remédio para essa situação em
decorrência de especiais circunstâncias individuais. Desse modo, essas
pessoas não poderiam ser colocadas em patamar de igualdade com os demais
membros da coletividade, pois gozariam de prioridade na ação do Estado.
Quanto aos idosos, o art. 203 da CF atribuiria à coletividade a tarefa
de ampará-los e assegurar-lhes a dignidade. No que concerne aos
deficientes, os dispositivos a tutelá-los seriam os artigos 7º, XXXI;
23, II; 24, XIV; 37, VIII; 40, § 4º, I; 201, § 1º; 203, IV e V; 208,
III; 227, § 1º, II, e § 2º; e 244, todos da CF. Além disso, a superação
de regra legal deveria ser feita com parcimônia. Assim, os juízes
haveriam de apreciar, de boa-fé, conforme a prova produzida, o estado de
miséria. Acrescentou que o critério de renda atualmente estabelecido
estaria além dos padrões para fixação da linha de pobreza
internacionalmente adotados. Dessa maneira, a superação da regra seria
excepcional. Ademais, o orçamento não possuiria valor absoluto. Sua
natureza multifária abriria espaço para encampar atividade assistencial,
de importância superlativa no contexto da CF/88.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Dessumiu não sugerir a superação do que decidido na ADI 1232/DF, pois a
declaração de inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93
retiraria o suporte de legalidade a nortear a atividade administrativa
(CF, art. 37, caput). Estatuiu que o STF viria se negando a proclamar
nulidade de lei que padeceria de vício de inconstitucionalidade por
omissão parcial, o que pioraria quadro não adequado plenamente à
Constituição. Esclareceu que as prestações básicas que comporiam o
mínimo existencial se modificariam com o passar do tempo, então as
definições legais na matéria seriam contingentes, embora importantes.
Fixariam patamares gerais para atuação da Administração, e permitiriam
margem de certeza quanto ao grupo geral de favorecidos pela regra, a
impactar a programação financeira do Estado. Explicitou não comungar com
a óptica do colegiado prolator da decisão recorrida, no sentido da
derrogação do art. 20, § 3º, pelas Leis 9.533/97 e 10.689/2003.
Conquanto o critério objetivo de aferição da miserabilidade adotado nas
referidas leis fosse diverso (meio salário mínimo), destinar-se-iam a
outros tipos de benefícios: programa de renda mínima municipal e
programa nacional de alimentação, respectivamente. Na Lei 9.533/97, o
valor do benefício seria bem inferior ao salário mínimo; na Lei
10.689/2003, não haveria sequer fixação de quantia. No ponto, concluiu
que o parâmetro revelado no art. 20, § 3º, teria sido reiterado pela Lei
12.435/2011. Realçou não ser heterodoxa a solução proposta, uma vez que
a Corte, no julgamento da ADI 223 MC/DF (DJU de 29.6.90), assentara a
possibilidade de magistrados, no exercício do controle difuso, deixarem
de aplicar determinada regra em incidência inconstitucional. Sintetizou
que, sob o ângulo da regra geral, deveria prevalecer o critério fixado
pelo legislador no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. Ante razões
excepcionais devidamente comprovadas, seria dado ao intérprete constatar
que a aplicação da lei à situação concreta conduziria à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Constituição
(miserabilidade). Nesses casos, o juízo poderia superar a norma sem
declará-la inconstitucional, a prevalecerem os ditames constitucionais.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
O Min. Gilmar Mendes, relator do RE 580963/PR, negou provimento ao
recurso. Ressaltou haver esvaziamento da decisão tomada na ADI 1232/DF,
especialmente por verificar que inúmeras reclamações ajuizadas teriam
sido indeferidas a partir de circunstâncias específicas. Chamou atenção
para possibilidade de inconstitucionalização do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/93. Relembrou o caso da progressão de regime em que o Tribunal,
após ter reconhecido a constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei
8.072/90 — o qual dispunha que a pena pela prática de crimes hediondos
seria cumprida em regime integralmente fechado —, declarara a sua
inconstitucionalidade. Mencionou que esse processo de
inconstitucionalização ocorrera, quer a partir de mudança nas
circunstâncias fáticas, quer nas jurídicas, quer no plexo de relação
entre ambas. Sublinhou que hoje, provavelmente, o Supremo não assentaria
a mesma orientação fixada, em 1998, na ADI 1232/DF. Assinalou que a
jurisprudência atual superaria, em diversos aspectos, os entendimentos
naquela época adotados quanto à omissão inconstitucional, inclusive a
respeito da possibilidade de, em hipótese de omissão parcial, valer-se
da modulação de efeitos prevista no art. 27 da Lei 9.868/99, de modo a
deixar a lei em vigor, sem reconhecer a sua nulidade. Ponderou que a
declaração de nulidade agravaria o estado de inconstitucionalidade.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
Aduziu que diversas normas estipularam critérios diferentes de ¼ do
salário mínimo, o que poderia gerar grave embaraço do ponto de vista da
isonomia. Consignou que, no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003, art.
34), abrira-se exceção para o recebimento de 2 benefícios assistenciais
de idoso, mas não permitira a percepção conjunta de benefício de idoso
com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Reputou que o
legislador incorrera em equívoco, pois, em situação absolutamente
idêntica, deveria ser possível fazer a exclusão do cômputo do benefício,
independentemente de sua origem. Salientou que, do contrário,
conferir-se-ia ao legislador não um poder discricionário, mas
arbitrário. Por fim, declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20
da Lei 8.742/93, sem pronúncia de nulidade, mantendo-o válido até
dezembro de 2014. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.
RE 567985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, 6.6.2012. (RE-567985)RE 580963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 6.6.2012. (RE-580963)
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